
Guarda municipal integra segurança pública, mas não tem atribuições típicas de polícia
O artigo 144 da Constituição Federal facultou aos municípios a criação de guardas destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações.
A lei nº 13.675, de 11/06/2018, colocou as Guardas Municipais como integrantes do Sistema Único de Segurança Pública.
Embora tivéssemos textos constitucionais e infraconstitucionais dispondo sobre a legitimidade da existência das Guardas Municipais, ao longo do tempo inúmeras atuações de seus integrantes despertaram questionamentos da comunidade e principalmente dos operadores jurídicos. Neste sentido, diversas demandas judiciais orbitam nos tribunais. Não podemos afirmar que o tema restou cimentado, todavia, ao menos momentaneamente as Cortes Superiores firmaram posição, com repercussão geral, que adiante discutiremos.
Em julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 995, o Supremo Tribunal Federal, no mês de agosto, do corrente ano, firmou o entendimento que as Guardas Municipais integram o Sistema de Segurança Pública.
Para sedimentar a abrangência e alcance das atribuições das Guardas Municipais, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do Habeas Corpus nº 830530, no último dia 27 de setembro, decidiu em síntese que: “Guarda municipal integra segurança pública, mas não tem atribuições típicas de polícia”.
No voto do relator colhemos as manifestações que evidenciam e consubstanciam a decisão exara no STJ, senão vejamos:
Não se pode confundir “poder de polícia” com “poder das polícias” ou “poder policial”. “Poder de polícia” é conceito de direito administrativo previsto no art. 78 do Código Tributário Nacional e explicado pela doutrina como “atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2015, 158). Já o “poder das polícias” ou “poder policial”, típico dos órgãos policiais, é marcado pela possibilidade de uso direto da força física para fazer valer a autoridade estatal, o que não se verifica nas demais formas de manifestação do poder de polícia, que somente são legitimadas a se valer de mecanismos indiretos de coerção, tais como multas e restrições administrativas de direitos. Dessa forma, o “poder das polícias” ou “poder policial” diz respeito a um específico aspecto do poder de polícia relacionado à repressão de crimes em geral pelos entes policiais, de modo que todo órgão policial exerce poder de polícia, mas nem todo poder de polícia é necessariamente exercido por um órgão policial.
Ainda:
Conquanto não sejam órgãos policiais propriamente ditos, as guardas municipais exercem poder de polícia e também algum poder policial residual e excepcional dentro dos limites de suas atribuições. A busca pessoal – medida coercitiva invasiva e direta – é exemplo desse poder, razão pela qual só pode ser realizada dentro do escopo de atuação da guarda municipal.
Para não restar dúvidas dos limites da atuação, assenta:
Não é das guardas municipais, mas sim das polícias, como regra, a competência para investigar, abordar e revistar indivíduos suspeitos da prática de tráfico de drogas ou de outros delitos cuja prática não atente de maneira clara, direta e imediata contra os bens, serviços e instalações municipais ou as pessoas que os estejam usando naquele momento.
Diante das decisões, ora debatidas, restou cristalino que as Guardas Municipais, de maneira indubitável integram o Sistema de Segurança Pública, entretanto atuam com ações típicas de polícia somente no cumprimento de sua missão de prevenir, inibir e coibir, pela presença e vigilância, infrações penais ou administrativas e atos infracionais que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais.
Segundo o Relator do HC nº 830530, ministro Rogério Schietti Cruz: “verifica-se, portanto, que mesmo a proteção da população do município, embora se inclua nas atribuições das guardas municipais, deve respeitar as competências dos órgãos federais e estaduais e está vinculada ao contexto de utilização dos bens, serviços e instalações municipais”.
Para o STJ, não obstante a Constituição e a legislação federal não outorguem à guarda o status de “polícia municipal”, é admissível, em circunstâncias extraordinárias, que os membros da instituição realizem busca pessoal, e outros atos típicos de polícia, apenas quando houver demonstração concreta de que as diligências têm relação direta com a finalidade da guarda.
Creio que as decisões tenham definido de forma categórica os limites da competência das Guardas Municipais, contudo, estou convicto que estamos distante da harmonização dos serviços e atuações dos órgãos policiais e das guardas.
Por derradeiro, entendo que as atribuições ficarão mais aclaradas e arredondadas com a normatização do ciclo completo de polícia para todas instituições do Sistema de Segurança Pública, conforme se observa na esmagadora maioria dos países mundo afora.
Isto posto, a vida segue na esperança de que possamos alcançar uma sociedade mais fraterna, segura, sadia e feliz.
*O artigo é opinião pessoal do autor e reflete seus estudos e percepções, aceitando discordâncias, sugestões e interações através do endereço eletrônico: maikevalgas@gmail.com